A TRADUÇÃO COMO FORMA DE LITERATURA – UM EXEMPLO LATINO-AMERICANO

Laiane Marchon

Resumo


Este trabalho aborda o livro El desierto y su semilla, de Jorge Baron Biza (Simurg, 1998; Eterna Cadencia, 2013), que carrega questões de diversidade linguística, tradução, história da formação da América Latina (especialmente a Argentina), cultura pós-colonial e crise das formas literárias na virada do século XXI, a partir da substância que não apenas conecta todas essas questões, mas que lhes dá forma e transforma em um todo, o discurso. Nessa obra, o autor lança mão de uma espécie de dinâmica linguística que ele próprio, no texto de contracapa da primeira edição, chama de “cocoliche globalizado”, o que consiste em um, por assim dizer, processo inverso ao ocorrido na Argentina. No século XIX e início do século XX, era corrente, nesse país, o cocoliche, uma mistura de espanhol e dialetos italianos, falado por imigrantes italianos, que eram boa parte da população. É importante lembrar, no entanto, que a própria linguagem do cocoliche é já um idioleto literário que apresenta a máscara do imigrante no começo do século XX. O que ocorre é que o narrador, argentino, está, na maior parte do romance, em território outro e, em vez de falar o idioma correspondente (por exemplo, falar italiano em Milão), se expressa, mas, sobretudo, escreve em uma mistura de sua língua materna (espanhol) com outras línguas. Quando traduzimos ficção, estamos traduzindo um discurso muito particular e falho, no que diz respeito à pragmática, pois nunca é apenas uma voz que fala em um texto literário, uma vez que ele é construído por um sujeito que dá voz a outro ou outros sujeitos que atuam em uma obra. Pensar a tradução por essas vias, é, portanto, pensá-la como não apenas a tradução de línguas, mas como a tradução de idiomas enquanto expressão de um ou vários indivíduos; traduzir é traduzir culturas.


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