CONSIDERAÇÕES SOBRE O DUPLO VELADO: COMO DELINEAR A PRESENÇA DE UM DUPLO ANIMAL NO TEXTO?

Rita Isadora Pessoa Soares de Lima

Resumo


A noção de um duplo animal porta uma complexidade, uma vez que não se trata de um conceito prévio, mas de um desdobramento da ideia clássica de Doppelgänger, um termo originário do folclore e da ficção alemã, no qual se supõe que cada indivíduo possui uma réplica, uma duplicata que o acompanharia, sendo ou não atribuída de intenções ou desígnios maléficos em relação ao sujeito a que se iguala em imagem. Embora não faltem exemplos na literatura desta manifestação clássica do duplo, como em O duplo, de Dostoievski, no conto de Edgar Allan Poe, William Wilson, em O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde e em O médico e o monstro, de Stevenson, para citar alguns exemplos, o objetivo deste trabalho segue em um sentido um pouco diferente. Operamos uma ligeira torção nesta ideia clássica de duplo, onde a réplica é especular ou portadora de características agourentamente similares às do personagem, como é o caso, por exemplo, de homônimos, reflexos, sombras. A ligação do fenômeno do duplo com uma ideia de ameaça ao próprio eu é um índice significativo, sobretudo na medida em que parece haver uma espécie tentativa de defesa egoica implicada no fenômeno do duplo. O objetivo principal de nossa investigação é o duplo animal, que seria uma modalidade dentro do que estamos chamando de duplo velado (que se opõe ao duplo clássico, romântico na literatura). Freud e Otto Rank foram importantes precursores na investigação das relações entre o duplo e o eu, o primeiro tendo trabalhado a problemática do sentimento do estranho e o duplo em seu texto de 1917, O estranho, relacionando-os com o retorno do recalcado inconsciente e à compulsão à repetição. Buscamos nos textos de autores como Herman Melville, Franz Kafka, Clarice Lispector, dentre outros escritores, gestos de espelhamento, de identificação com o animal, devires, processos de duplificação do eu, isto é, fenômenos que tornem possível pensar em um processo textual que nos conduza a um duplo animal velado nestes autores, levando em consideração aspectos como a representação do autor no texto, jogos de linguagem e desdobramentos poéticos. Essa tarefa já é, por si só, um mergulho na alteridade que os animais representam para o gênero humano e traz curiosas reverberações.


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